sábado, 23 de abril de 2011

DISCURSO DO EMBAIXADOR MEXICANO

 Um discurso feito pelo embaixador Guaicaípuro
 Cuatemoc, de ascendência indígena, "defendendo o
 pagamento da dívida externa do seu país, o México,"
 embasbacou os principais chefes de Estado da
 Comunidade Européia. A conferência dos chefes de
 Estado da União Européia, Mercosul e Caribe, em maio
 de 2002 em Madri, viveu um momento revelador e
 surpreendente: os chefes de Estado europeus ouviram
 perplexos e calados um discurso irônico, cáustico e
 de exatidão histórica que lhes fez Guaicaípuro
 Cuatemoc. 

 Eis o discurso:

 "Aqui estou eu, descendente dos que povoaram a 
 América há 40 mil anos, para encontrar os que a 
 "descobriram" só há 500 anos. O irmão europeu da 
 aduana me pediu um papel escrito, um visto, para 
 poder descobrir os que me descobriram. O irmão 
 financista europeu me pede o pagamento - ao meu 
 país- ,com juros, de uma dívida contraída por Judas, 
 a quem nunca autorizei que me vendesse. Outro irmão 
 europeu me explica que toda dívida se paga com 
 juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres 
 humanos e países inteiros sem pedir-lhes 
 consentimento. Eu também posso reclamar pagamento e 
 juros. 

 Consta no "Arquivo da Cia. das Índias Ocidentais" 
 que, somente entre os anos 1503 e 1660, chegaram a 
 São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 
 milhões de quilos de prata provenientes da América. 

 Teria sido isso um saque? Não acredito, porque seria 
 pensar que os irmãos cristãos faltaram ao sétimo 
 mandamento! Teria sido espoliação? Guarda-me 
 Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, 
 matam e negam o sangue do irmão. 

 Teria sido genocídio? Isso seria dar crédito aos 
 caluniadores, como Bartolomeu de Las Casas ou Arturo 
 Uslar Pietri, que afirmam que a arrancada do 
 capitalismo e a atual civilização européia se devem 
 à inundação de metais preciosos tirados das 
 Américas. 

 Não, esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de 
 quilos de prata foram o primeiro de tantos 
 empréstimos amigáveis da América destinados ao 
 desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria 
 presumir a existência de crimes de guerra, o que 
 daria direito a exigir não apenas a devolução, mas 
 indenização por perdas e danos. 

 Prefiro pensar na hipótese menos ofensiva. 

 Tão fabulosa exportação de capitais não foi mais do 
 que o início de um plano "MARSHALL MONTEZUMA", para 
 garantir a reconstrução da Europa arruinada por 
 suas deploráveis guerras contra os muçulmanos, 
 criadores da álgebra, da poligamia, e de outras 
 conquistas da civilização. 

 Para celebrar o quinto centenário desse empréstimo, 
 podemos perguntar: Os irmãos europeus fizeram uso 
 racional responsável ou pelo menos produtivo desses 
 fundos? 

 Não. No aspecto estratégico, dilapidaram nas 
 batalhas de Lepanto, em navios invencíveis, em 
 terceiros reichs e várias formas de extermínio 
 mútuo. No aspecto financeiro, foram incapazes, 
 depois de uma moratória de 500 anos, tanto de 
 amortizar o capital e seus juros quanto 
 independerem das rendas líquidas, das 
 matérias-primas e da energia barata que lhes 
 exporta e provê todo o Terceiro Mundo. 

 Este quadro corrobora a afirmação de Milton 
 Friedman, segundo a qual uma economia subsidiada 
 jamais pode funcionar e nos obriga a reclamar-lhes, 
 para seu próprio bem, o pagamento do capital e dos 
 juros que, tão generosamente, temos demorado todos 
 estes séculos em cobrar. Ao dizer isto, esclarecemos 
 que não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos 
 europeus, as mesmas vis e sanguinárias taxas de 20% 
 e até 30% de juros ao ano que os irmãos europeus 
 cobram dos povos do Terceiro Mundo. 

 Nos limitaremos a exigir a devolução dos metais 
 preciosos, acrescida de um módico juro de 10%, 
 acumulado apenas durante os últimos 300 anos, com 
 200 anos de graça. Sobre esta base e aplicando a 
 fórmula européia de juros compostos, informamos aos 
 descobridores que eles nos devem 185 mil quilos de 
 ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas as 
 cifras elevadas à potência de 300, isso quer dizer 
 um número para cuja expressão total será necessário 
 expandir o planeta Terra. 

 Muito peso em ouro e prata... quanto pesariam se 
 calculados em sangue? 

 Admitir que a Europa, em meio milênio, não conseguiu 
 gerar riquezas suficientes para esses módicos juros, 
 seria como admitir seu absoluto fracasso 
 financeiro e a demência e irracionalidade dos 
 conceitos capitalistas. 

 Tais questões metafísicas, desde já, não inquietam a 
 nós, índios da América. Porém, exigimos assinatura 
 de uma carta de intenções que enquadre os povos 
 devedores do Velho Continente e que os obriguem a 
 cumpri-la, sob pena de uma privatização ou 
 conversão da Europa, de forma que lhes permitam 
 entregar suas terras, como primeira prestação de 
 dívida histórica..." 

 Quando terminou seu discurso diante dos chefes de 
 Estado da Comunidade Européia, o Cacique 
 Guaicaípuro Guatemoc não sabia que estava expondo 
 uma tese de Direito Internacional para determinar a 
 Verdadeira Dívida Externa. 
 Agora resta que algum Governo Latino-Americano tenha 
 a dignidade e coragem suficiente para impor seus 
 direitos perante os Tribunais Internacionais. 
 Os europeus teriam que pagar por toda a espoliação 
 que aplicaram aos povos que aqui habitavam, com 
 juros civilizados. 

 Publicado no Jornal do Comércio - Recife/PE.

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