sábado, 7 de maio de 2011

Globalização

Dez perguntas (e respostas)
sobre a globalização


Thomas Friedman

I. A GLOBALIZAÇÃO É UMA IDÉIA NOVA?
“A globalização não é um modismo, um jogo Nintendo, mas um sistema internacional. E, assim como a Guerra Fria, ela também tem suas próprias regras, sua lógica interna, com pressões, incentivos, oportunidades e mudanças que afetam a vida de cada país, como o Brasil, de cada comunidade, como São Paulo, e também a empresa em que cada um de nós trabalha. Se você quer realmente saber o que está mudando o mundo, é preciso entender a globalização. Sou o primeiro colunista de assuntos internacionais do Times depois do final da Guerra Fria e o quinto em toda a história do jornal. O cenário mundial do primeiro deles foi a II Guerra. Já os últimos três tiveram a Guerra Fria como pano de fundo. Eu cheguei ao posto em 1994, quando o Muro de Berlim já tinha caído. Logo que assumi, a primeira pergunta que me fiz foi: ‘Qual é o meu cenário, qual é a história que tenho para cobrir?’. Globalização é a resposta. E essa é uma super-história: olhe para a China, para a América, para o Brasil, para o mundo todo, cada vez mais interligado! Portanto, para mim, globalização não é uma ideologia nem um programa econômico a ser defendido; é, isso sim, uma interpretação daquilo que está acontecendo no mundo.”
II. GLOBALIZAÇÃO NÃO SERIA APENAS UM NOME SUAVE PARA A AMERICANIZAÇÃO DO MUNDO?
“A globalização é a conseqüência do triunfo dos valores defendidos pela economia de mercado. E por que a economia de mercado? Porque em todo o mundo as pessoas tentaram uma série de outros sistemas e acabaram chegando à conclusão de que eles não funcionavam. Portanto, a economia de mercado é conseqüência do triunfo de certas idéias e também do triunfo de certas tecnologias. Quando, por exemplo, eu abro uma empresa para vender óculos de sol pela internet, todos os meus clientes em potencial são globais — de San Francisco a São Paulo — e da mesma maneira meus competidores são globais — de Washington ao Rio de Janeiro. O mesmo vale para meus consumidores. Portanto, no momento em que você chega à internet, torna-se imediatamente um animal global. Tem de ser assim. Isso é uma ideologia? Isso é uma coisa que eu estou defendendo? Ou será que não passa da conseqüência de uma tecnologia que agora pode conectar todo mundo ao redor da Terra de um modo antes inimaginável? E isso se aplica também a todas as tecnologias que derrubaram os muros em torno do planeta. A globalização é justamente o resultado da derrubada desses muros.”
III. A ÚLTIMA CONSEQÜÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO SERÁ O FIM DA DIVERSIFICAÇÃO CULTURAL NO PLANETA?
“Esse lado da globalização é apavorante — é uma espécie de darwinismo com anabolizantes. A globalização pode provocar uma devastação no ambiente e nas culturas locais se não for controlada. Muito da minha inspiração para esta afirmação me veio das visitas que fiz ao Pantanal Mato-Grossense e ao que restou da Mata Atlântica brasileira. Países globalizados precisam de recursos que lhes permitam proteger tanto sua natureza quanto seus valores culturais. Meu temor é que os países saiam numa corrida louca para se tornar globais e acabem pondo a perder sua cultura e seu ambiente.”
IV. UM MUNDO GLOBALIZADO TEM MAIS CHANCE DE VIVER EM PAZ?
“Em 1996 comecei a escrever em minha coluna que, ao redor do mundo, os países vizinhos àqueles em que o McDonald’s tinha instalado lanchonetes jamais haviam declarado guerra um contra o outro depois que seus povos passaram a ter acesso ao Big Mac e a batatas fritas. Eu usava essa metáfora para dizer de maneira bem-humorada que, num mundo mais interligado, o preço que você paga para fazer guerra é muito mais alto que nos tempos da Guerra Fria. Agora, nem a Rússia, que está quebrada, nem os Estados Unidos, que têm um orçamento equilibrado, vão financiar as guerras tribais, como faziam no passado. Se, por exemplo, o Brasil e a Argentina entrassem em guerra amanhã, suas economias seriam imediatamente punidas pelas bolsas de valores em todo o mundo. As ações desses países perderiam seu valor. Por isso, minha tese é que toda essa integração econômica afeta a política interna das nações. Meu símbolo era o McDonald’s. Acho que essa tese era tão, digamos, charmosa e ao mesmo tempo válida que vários cientistas políticos tentaram provar — sem sucesso — que eu estava errado. Tentaram dizer que minha tese caiu por terra por causa da guerra em Kosovo, mas ali, como deixei claro em meu livro, se tratava de uma guerra civil. Mas digamos que ainda assim eu estivesse errado, do mesmo modo minha teoria se aplica a 99,99% dos casos, o que é uma boa média para a ciência social.
Não foi por acaso que chamei meu livro de O Lexus e a Oliveira. Na parte do Lexus, o carro produzido pela Toyota, que também diz respeito ao McDonald's, falo de tecnologia, integração cultural e econômica. Já a oliveira vem de uma imagem do próprio Oriente Médio, do papel que as forças ancestrais da cultura e da tradição desempenham no mundo. Mas minha tese do McDonald’s refere-se às regiões que já estão plugadas ao sistema global, e eu não acredito que a margem ocidental (o território palestino) esteja plugada ao sistema. Da mesma forma que isso não se aplica à Síria, que não tem McDonald’s, tampouco ao Iraque. Outra coisa é que Yasser Arafat liga muito mais para suas oliveiras que para os Lexus — ou melhor, ele liga para seus Lexus, mas não dá importância ao fato de que seu povo também possa vir a querer ter Lexus. A oliveira continuará a ter papel fundamental nas culturas porque religião, tradição e costumes locais são tão básicos à humanidade como o próprio DNA.”
V. ACABOU O TEMPO EM QUE OS GOVERNOS PODIAM ENDIVIDAR-SE SEM CONSEQÜÊNCIAS MAIORES?
“Os países vestiram o que chamo de 'camisa-de-força dourada'. O Brasil, por exemplo, vestiu-a de uma maneira que hoje lhe é razoavelmente confortável. O importante é saber que de agora em diante só existe um caminho a ser seguido, o da camisa-de-força dourada. Mas cada país pode escolher a velocidade com que se enquadrará nela, pois é preciso garantir a estabilidade social em cada país. Cedo ou tarde os países serão classificados da mesma maneira que qualquer devedor. Diria que a Rússia e a Argentina são papéis de alto risco, enquanto o Brasil e a China são papéis de risco médio. O Brasil está à frente de todos esses países em vários aspectos. Ele é mais desenvolvido, já que tem economia de mercado, democracia e internet. A China tem uma energia extraordinária e vem demonstrando muito mais apetite que o Brasil para crescer, mas não tem as instituições que o Brasil possui. Já a Argentina, apesar de também ter instituições como o Brasil, está naufragando economicamente por falta de liderança.”
VI. A GLOBALIZAÇÃO VAI LEVAR A DEMOCRACIA A TODOS OS CANTOS DO MUNDO?
“Aqueles países que possuem boas instituições vão se dar bem em tempos globais, os que não tiverem vão ter um problema sério para resolver. E isso não tem apenas a ver com os altos e baixos da economia. Seu governo é uma espécie de tomada, que liga você ao sistema. Se ele for um bom governo, você estará ligado com segurança. Se for corrupto ou fraco, o trânsito entre seu país e o ‘rebanho eletrônico’, ou seja, o fluxo de capitais que se move digitalmente pelo mundo, será interrompido, asfixiando sua economia. E isso acontece não apenas porque as ditaduras e a corrupção sejam imorais, mas porque elas são antiprodutivas. Um bom governo tem de ser equipado com uma burocracia eficiente e honesta, bons tribunais, boas instituições regulatórias. As pessoas estão excessivamente preocupadas com o chamado ‘abismo digital’. Eu não. Em cinco anos, quem hoje ganha apenas o equivalente a 1 dólar por dia poderá comprar um Palm Pilot. A democratização tecnológica se encarregará disso. Mas será que daqui a cinco anos teremos a segurança de que, por exemplo, os julgamentos serão justos em Manaus, sem que os juízes brasileiros sejam corrompidos? O que dizer do abismo entre as pessoas? É isso que importa.”
VII. A HISTÓRIA ECONÔMICA ESTÁ CHEIA DE EXEMPLOS DE SURTOS ECONÔMICOS EM QUE SÓ UMA MINORIA PROSPERA. POR QUE SERIA DIFERENTE COM A GLOBALIZAÇÃO?
“A desigualdade social, não só no Brasil, mas em toda a América Latina, tem profundas razões históricas e sociais. A pobreza dos povos latino-americanos é um tremendo fardo para a região. Se você tem elites que são tão egoístas a ponto de ignorar completamente aqueles que em meu livro eu chamo de ‘os que não têm nada’, ‘não sabem nada’, ou ‘que foram deixados para trás’, cedo ou tarde eles irão atrás de você. Por outro lado, os pobres têm um grande potencial, uma grande capacidade produtiva que está sendo desperdiçada se continuarem à margem do mercado. A força dos Estados Unidos deve-se, em boa parte, à grandeza de sua elite, dos bilionários que doam fortunas a escolas, hospitais, museus e universidades. Eis um exemplo que os ricos brasileiros poderiam seguir.
Uma economia global bem-sucedida para a maioria funciona como um circo. Ela precisa de três coisas. A primeira é o trapézio, ou seja, as regras selvagens do livre mercado, aquilo que permite que os empreendedores saltem, voem, corram os riscos necessários para a economia florescer. Sem o trapézio não há crescimento. Em segundo lugar, é preciso trampolins, porque algumas pessoas se lançam ao trapézio e acabam caindo e outras não têm inicialmente o impulso necessário para alçar o trapézio. Mas o trampolim significa uma segurança temporária, um instrumento que eles podem usar para voltar ao jogo: esses são os programas de treinamento, educação, ciência da computação, todos os recursos para as pessoas terem sucesso na nova economia. Em terceiro lugar, há a rede de segurança, porque algumas pessoas nunca conseguirão chegar ao trampolim, e menos ainda ao trapézio. Seria um desastre se elas batessem com a cabeça no cimento. Por isso, a rede de segurança são os programas sociais bancados pelo governo, empresas e comunidades para assistir as pessoas desamparadas. Estou certo de que, mesmo vestindo a ‘camisa-de-força dourada’, os países podem bancar o custo do trapézio e da rede de segurança.”
VIII. MUITAS PESSOAS TEMEM A GLOBALIZAÇÃO EXATAMENTE POR SE PRETENDER GLOBAL. ELA NÃO SERIA TÃO TOTALITÁRIA QUANTO O SOCIALISMO?
“O socialismo foi um sistema maravilhoso para fazer todo mundo igualmente pobre. Não existe sistema melhor no mundo para isso. E, se alguém precisa de um testemunho a respeito, pergunte às pessoas que derrubaram o Muro de Berlim. Já o capitalismo torna as pessoas desigualmente ricas, ele tem a própria brutalidade, mas é um sistema que pode ser moderado. A resposta para mim não é retroceder ao socialismo, mas aprender a calibrar o capitalismo num mundo global: seja redistribuindo renda, seja, muito mais importante que isso, promovendo a educação entre os despossuídos. Digamos que eu precisasse emagrecer 10 quilos. Nesse caso, será que o mais inteligente seria eu cortar minha cabeça? Regredir ao socialismo equivale em inteligência a pedir a uma pessoa em regime que perca 10 quilos e ela decida simplesmente cortar a cabeça.
Por outro lado, a globalização é um conceito extremamente complicado. A globalização é uma coisa que não tem alma. Veja, por exemplo, o nacionalismo árabe. As ideologias do Oriente Médio não fazem o menor sentido econômico, mas elas tocam a alma dos povos e os entusiasmam. Por sua vez, a globalização faz o maior sentido para todas as economias do mundo, mas é um tema que não consegue tocar a alma de ninguém.”
IX. A ECONOMIA DOS ESTADOS UNIDOS PODE DESPENCAR E ARRASTAR COM ELA TODA A PROSPERIDADE DO MUNDO?
“O cenário mundial pode mudar se nós não conseguirmos manter as condições fundamentais de nossa prosperidade, como a produtividade da economia americana. Mas o cerne da exuberância americana são suas instituições, os fundamentos de sua economia, sua política e sua vida social. Essas são as condições que nos dão uma vantagem competitiva incomparável no planeta. E esse alicerce é extremamente sólido, não importa se o mercado de capitais está em alta ou em baixa.”
X. COMO MAIORES BENEFICIÁRIOS DA GLOBALIZAÇÃO, OS ESTADOS UNIDOS NÃO DEVERIAM CONTRIBUIR MAIS PARA SEU SUCESSO?
“Os Estados Unidos precisam ter a mão aberta, ajudar os outros povos a se fortalecerem e se tornarem parceiros desse sistema global. Acredito que os Estados Unidos deveriam colaborar com o dobro do que colaboram para organismos como o Banco Mundial e bancos de desenvolvimento regional, como para a Ásia, a América Latina e a África. Nosso dinheiro precisa ser usado para ajudar as pessoas a construir instituições que as façam prosperar. Essas deveriam ser as linhas mestras de nossa política internacional.”
O ensaísta americano Thomas Friedman, 47 anos, colunista de assuntos internacionais do jornal The New York Times, é dono de dois prêmios Pulitzer por sua cobertura no Oriente Médio, onde morou nos anos 70 e 80. Autor de O Lexus e a Oliveira, um livro fascinante sobre o fenômeno dominante de nosso tempo, a globalização econômica, ele recebeu Angela Pimenta, de VEJA, para uma entrevista sobre as implicações da mundialização da economia. Friedman tem corrido o mundo em busca de casos relacionados ao fenômeno. Raramente vai a Paris, Berlim ou Londres. Sua destinação mais comum são os lugares mais remotos do planeta, aonde pouca gente vai a trabalho e quase ninguém vai em férias: Burundi, Serra Leoa, China e Índia.
Frases
“A globalização é o triunfo da economia de mercado porque as pessoas tentaram outros sistemas e concluíram que eles não funcionavam.”
“A globalização pode provocar uma devastação no ambiente e nas culturas locais. O meu temor é que para se tornarem globais os países acabem pondo a perder sua cultura e seu ambiente.”
Fonte: Veja Educação

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário: